sábado, 31 de maio de 2008

Nóis Mudemo

"NÓIS MUDEMO"
Fidêncio Bogo


   O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, toda poesia e misticismo.Mas minha alma estava profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um episódio que parecia tão banal... Tentei dormir. Inútil. Meus olhos percorriam a paisagem enluarada, mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e trágico. As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.
   - Por que você faltou esses dias todos?
   - É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda.
    Risadinhas da turma.
   - Não se diz "nóis mudemo", menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá?
   -Tá, fessora!
   No recreio, as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mudemo! No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.
   - Pai, não vô mais pra escola!
   - Oxente! Módi quê?
   Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:
   - Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da mininada! Logo eles esquece.
   Não esqueceram. Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio.   Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapazola tinha partido no dia anterior para a casa de um tio, no sul do Pará.
   - É, professora, meu fio não aguentou as gozação da mininada. Eu tentei fazê ele continuá, mas não teve jeito. Ele tava chatiado demais. Bosta de vida! Eu devia di té ficado na fazenda côa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.
   Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi. O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos de minha parte.Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro, com aparência doentia.
   - O que é, moço?
   - A senhora não se lembra de mim, fessora?
   Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos anos de sacerdócio, digo, de magistério. Tudo escuro.
   - Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?
   Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:
   - Eu sou "Nóis mudemo”, lembra? - Comecei a tremer.
   - Sim, moço. Agora lembro, Como era mesmo seu nome?
   - Lúcio. Lúcio Rodrigues Barbosa.
   - O que aconteceu com você?
   - O que aconteceu? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu . Comi o pão que o diabo amassô. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia fria, um "gato" me arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado quando consegui fugi. Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já fui pará. Nóis ignorante às veis fais coisa sem querê fazé. A escola fais uma farta danada. Eu não devia de té saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo que nunca ia consegui falá direito. Ainda hoje não sei.
    Meu Deus!Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada comecei a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que restava do rapaz, que me olhava atarantado.O ônibus buzinou com insistência. O rapaz afastou-me de si suavemente.
   - Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.
   - Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!

   Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da guilhotina.Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos, mudamos, mudaamoos, mudaaamooos... Superusada, mal- usada, abusada, ela é uma guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna - a língua que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e colegas- e se torna o terror dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aquela idade.E os lúcios da vida, os milhares de lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o professor quisesse dizer: "Você está errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu ! Você não seja você! Renegue suas raízes! Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra!" E siga desarmado para o matadouro.

sábado, 17 de maio de 2008

Variedades linguísticas

Esta é a 6ª aula e continuamos o estudo da variação linguística. Alguns modos de falar são considerados "certos " e "bonitos" não por acaso, mas dependendo da classe social deste falante, enquanto outros são vistos como 'errados" e "feios", por ser empregado por um falante de uma classe social menos reconhecida. A língua é um elemento que marca a identidade física e individual do falante. Através dela descobrimos em que grupo a pessoa está inserida(é de um nível social mais alto? é um professor? um médico? um roqueiro?alguém do meio rural?). A língua aparece como uma forma de controle social das classes dominantes e dominadas.

Estamos comentando a questão das trocas de letras, falta de concordância,etc e vimos que são fatos que não acontecem por simples desconhecimento mas que há razão para eles. Na troca de letra por exemplo, do l pelo r ,estas são consoantes líquidas que têm o ponto de articulação muito próximo um do outro e todos dois são capazes de de juntarem a outras consoantes para formarem os encontros consonantais. No latim palavras como clavu se transformou no português para cravo, flaccu, se transformou em fraco e etc. Por isso é comum ouvirmos Cráudia e praca ao invés de Cláudia e placa.A esta troca os linguísticas dão o nome de rotacismo.Outras trocas se dão de forma mais natural e pensa-se que é pelo fato do usuário da língua achar tais formas mais fáceis, como em "os menino vive". A língua portuguesa é muito rica e é papel do professor lidar com essas diferenças, sem provocar a discriminação. É dever do estado facilitar para que todo brasileiro tenha acesso à lingua mais valorizada socialmente, a língua padrão. Se a pessoa tem acesso a essa língua ela poderá permear pelas diversas camadas sociais, ter acesso às várias formas de se empregar a língua e ter condições de compreender todas elas e usá-las da maneira que preferir, no momento que achar adequado. Nós, professores, devemos favorecer a inclusão e jamais ter uma atitude de exclusão . Ouvimos hoje no momento da leitura compartilhada a leitura de um conto que mostra um caso de discriminação através do preconceito linguístico. Vimos nesta aula que onde há variação, tem avaliação. É preciso termos a sensatez e fazer uso do nosso conhecimento para não exercermos e nem deixarmos que a estimatização se propague no nosso meio. Precisamos lidar com as diferenças do uso da língua e entendê-las como mais uma riqueza da língua portuguesa.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Variedades linguísticas

No dia 08/05 fomos para a 5ª aula discutindo e lendo sobre as variações linguisticas. Começamos analisando Como eu falo? O estudo nos leva a valorizar o idioma com sua variedades observando aspectos de escrita e oralidade. O estudo das variações linguisticas é bem interessante e atual. Estou gostando muito do assunto pois sempre valorizei o jeito peculiar de cada pessoa falar. Gosto de ouvir habitantes de todas regiões brasileiras e perceber seus sotaques, gosto de ouvir a linguagem do caipira, respeitar as diferenças e poder entendê-las.
Lemos uma apostila e fizemos discussões em grupo. Meu grupo leu e apresentou o estudo de José Luiz Fiorini quando critica a intolerância em relação à variação e a mudança da língua. Lemos também sobre a questão do estrangeirismo e sobre o processo patológico da linguagem e dos falantes. Ouvimos explicações dos colegas sobre as variações dentro de cada grupo social. No estudo que fiz do fascículo 5 encontrei todas as questões tratadas na aula de hoje.Gostaria de deixar aqui o texto estudado neste fascículo e que muito me atraiu:
Retratos de sala de aula
- Dá licença, dona Cráudia, meu nome é Regina, eu sou avó do Pedro. Me perdoa por atrapaiá a aula, mas é que o Pedro tem hora marcada agora no médico, lá no Hospitá das Crínica. Tem dois mês que ele tá se quexano dumas dô no juêi, uma dô que apareceu depois dum jogo de bola, e nós só conseguiu marcá pra hoje de manhã. Esse menino vive dano trabaio prpa nós, num é? A mãe dele pediu pra mim levá ele, porque nem ela nem o pai dela não pode largá o serviço.
A professora faz um gesto de permissão com a cabeça, o aluno se retira com a avó. Depois que eles se afastam,a professora se volta para a classe e diz:
_ Viram por que é que vocês precisam vir pra escola? É pra não falar tudo errado feito a avó do Pedro.

Concordo com a opinião do autor de que é necessário" o respeito e a valorização das diferenças linguisticais, mas que também é direito inalienável o conhecimento de outras culturas e consequentemente a opção pelo uso da língua". À escola cabe mostrar e ensinar o respeito a essa variedade linguistica, ensinar as formas linguisticas padronizadas para que cada um saiba se posicionar verbal ou por escrito , que possa compreender e ser compreendido em várias situações de uso da lingua materna.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A família pós-moderna

No dia 24/04/08 tivemos a quarta aula. Fiz, no momento de compartilhar a leitura com os colegas, a leitura do texto O Gramático, de Humberto de Campos.

Alto, magro, com os bigodes grisalhos a desabar, como ervas selvagens pela face de um abismo, sobre os cantos da funda boca munida de maus dentes, o professor Arduíno Gonçalvesera um desses homens absorvidos completamente pela gramática. Almoçando gramática,jantando gramática, ceando gramática, o mundo não passava, aos seus olhos, de um enorme compêndio gramatical, absurdo que ele justificava repetindo a famosa frase do Evangelho de João:
– No princípio era o VERBO!
Encapado pela gramática, e às voltas, de manhã à noite, com os pronomes, com osadjetivos, com as raízes, com o complicado arsenal que transforma em um mistério a simplicíssima arte de escrever, o ilustre educador não consagrava uma hora sequer às coisas doseu lar. Moça e linda, a esposa pedia-lhe, às vezes, sacudindo-lhe a caspa do paletó esverdeado pelo tempo:
– Arduíno, põe essa gramatiquice de lado. Presta atenção aos teus filhos, à tua casa,à tua mulher! Isso não te põe para diante!
Curvado sobre a grande mesa carregada de livros, o cabelo sem trato a cair, como falripas de aniagem, sobre as orelhas e a cobrir o colarinho da camisa, o notável professor retirava dos ombros a mão cariciosa da mulher, e pedia-lhe, indicando a estante:
– Dá-me dali o Adolfo Coelho.
Ou:
– Apanha, aí, nessa prateleira, o Gonçalves Viana.
Desprezada por esse modo, Dona Ninita não suportou mais o seu destino: deixou o marido com suas gramáticas, com os seus dicionários, com os seus volumes ponteados detraça, e começou a gozar a vida passeando, dançando e, sobretudo, palestrando com o seu primo Gaudêncio de Miranda, rapaz que não conhecia o padre Antônio Vieira, o João de Barros,o frei Luís de Sousa, o Camões, o padre Manuel Bernardes, mas que sabia, como ninguém,fazer sorrir as mulheres.
– Ele não prefere, a mim, aquela porção de alfarrábios que o rodeiam? Então, que se fique com eles!
E passou a adorar o Gaudêncio, que a encantava com a sua palestra, com o seu bom-humor, com as suas gaiatices, nas quais não figuravam, jamais, nem Garcia de Rezende, nem Gomes Eanes de Azurara, nem Rui de Pina, nem Gil Vicente, nem, mesmo, apesar do seu mundanismo, D. Francisco Manuel de Melo.
Assim viviam, o professor, com seus puristas, e D. Ninita com o seu primo, quando, de regresso, um dia, ao lar, o desventurado gramático surpreendeu a mulher nos braços musculosos,mas sem estilo, de Gaudêncio de Miranda. Ao abrir-se a porta, os dois culpados empalideceram,horrorizados. E foi com o pavor no coração que o rapaz se atirou aos pés do esposo traído,pedindo, súplice, de joelhos:
– Me perdoe, professor!
Grave, austero, sereno, duas rugas profundas sulcando a testa ampla, o ilustre educador encarou o patife, trovejando, indignado:
– Corrija o pronome, miserável! Corrija o pronome!
E, entrando no gabinete, começou, cantarolando, a manusear os seus clássicos...


Gosto muito desse texto, pois o mesmo nos deixa atentos sobre a questão da gramática. Até que ponto, nós, professores de português devemos ir? Após comentários entramos no assunto do dia: A família pós-moderna. A turma foi dividida em dois grupos, e fizemos um debate, ficando metade a favor e a outra contra. Apresentamos um animado debate e tivemos a oportunidade de dar depoimentos e exemplificaçaões com histórias de sala de aula. No fechamento, ficou para nós que pais ausentes são aqueles que não se preocupam e não os que trabalham fora. Foi uma técnica trabalhada também para mostrar que este pode ser um momento da turma exercer a oralidade.

No 2º momento da aula analisamos textos de nossos alunos que foram levados para sala e fizemos os três momentos de leitura. Foi muito bom!

A oralidade em sala

No dia 17/04 fomos para a terceira  aula. Estudamos hoje sobre a oralidade. Como levar o aluno a desenvolver sua oralidade? Em primeiro lugar ouvimos a leitura da crônica Lixo, de Fernando Veríssimo. Comentamos os diálogos e suas intenções explícitas e implícitas. Trabalhamos com o fascículo nº 2 Texto, linguagem e interação. Em qualquer jogo é necessário que haja regras. Assim também é na comunicação, para que ela aconteça, para que haja interação, faz-se necessário que códigos sejam combinados, conhecidos de locutores e locutários.. Como trabalhar textos na sala de aula? Devemos sempre trabalhar o signo analisando o significado e o significante. A interação ocorre quando um entende e acrescenta a sua ideia que pode ser completada por outro que repassa aquele conhecimento. Ao receber, eu também o agrego ao meu e evoluo, cresço, mudo meu modo de pensar. "É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando a outro homem, e a linguagem ensina a própria definição de homem". (É. Benveniste)
Segundo Vygotsky a linguagem é um sistema simbólico dos grupos humanos, representa um salto qualitativo na evolução da espécie. É ela que fornece os conceitos, as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o ser.
Pudemos concluir que a nossa cultura vai definir a nossa linguagem. Gostei muito das leituras e das nossas interpretações. Valeu!

Letramento

No dia 10/04 tivemos a 2ª aula. Iniciamos ouvindo a leitura do poema A procura das palavras, de Carlos Drummond de Andrade. Fizemos a dinâmica da completude e falta. Foi um momento de exercer a oralidade e a interação do grupo. Trabalhamos os conceitos de alfabetização e letramento. A alfabetização não se limita às séries iniciais . Não podemos entender o letramento sem a prática social. O letramento é o uso social daquele conhecimento. Retornamos ao texto da aula anterior e discutimos as muitas possibilidades de trabalho que ele nos oferecia. Vimos a técnica dos três momentos de leitura. No terceiro momento da leitura verificamos as possibilidades de se desenvolver um trabalho de intertexto.Verificamos o quanto o texto é rico e concluimos com as evidências de que naquele texto, aparentemente simples e curto, há n possibilidades de discussão e contextualização. Foi uma aula muito interessante.